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A estrela mais distante do universo

A estrela mais distante do universo


  02/06/2022

*Cássio Barbosa

Provavelmente, em algum momento de sua vida, você já deve ter se perguntado qual a estrela mais distante que podemos ver à noite. De dia, essa pergunta tem uma resposta fácil.

Por mais estranho que possa parecer, essa pergunta não tem uma resposta tão simples assim. Depende muito de quanto uma pessoa consegue enxergar e isso varia muito de pessoa para pessoa, e de noite para noite. Numa noite de Lua Nova conseguimos ver estrelas muito fracas. Na Lua Cheia, só as mais brilhantes. Além disso, não dá para associar simplesmente que uma estrela de brilho mais fraco está, necessariamente, mais distante. As estrelas, como as lâmpadas, estão disponíveis em várias potências: uma estrela muito luminosa, mas muito distante, irá brilhar tão fraco quanto uma estrela menos luminosa e que esteja mais perto. 

Para facilitar, e não deixar ninguém curioso, vamos pensar numa noite sem Lua no céu, em um local muito escuro e uma visão privilegiada (também vou excluir as estrelas que explodem em supernovas, senão a brincadeira começa a perder a graça). Nessas condições, o olho humano consegue distinguir estrelas de magnitude 6. Com esse brilho, a estrela mais longe seria a estrela HD 76151 na constelação da Hidra. Curiosamente, ela é uma estrela gêmea do Sol e está a uma distância de quase 54 anos luz. 

Tá, mas e qual a estrela mais distante do universo que conseguimos observar? Aí a coisa muda de figura. Para esse objetivo vamos precisar de um telescópio e daqueles bem grandes. Ou, no caso, de um que esteja em órbita. 

Até outro dia, o recorde pertencia a uma estrela de uma galáxia em uma distância de mais de 9 bilhões de anos luz, chamada de MACS J1149+2223 (esse nome bizarro vem do projeto em que ela foi observada combinada com usas coordenadas celestes). Normalmente, nem o Hubble conseguiria uma imagem dessa estrela, mas num golpe de sorte, sua luz foi amplificada por outro aglomerado de galáxias no meio do caminho. 

A luz da estrela foi amplificada pela matéria escura presente no aglomerado intermediário, num efeito conhecido como lente gravitacional, mais uma decorrência da teoria da relatividade de Albert Einstein. A matéria escura, um tipo de matéria que só é detectada pelo seu efeito gravitacional, produz uma deformação no espaço que age como uma lente. Esse efeito é bem conhecido dos astrofísicos e permite não só estudar a existência e distribuição de matéria escura no universo, como também observar objetos tão fracos e distantes que sem essa ajudinha não seriam visíveis. Por conta desse efeito, a estrela em si acabou batizada de MACS J1149+2223 Estrela da Lente, mas em um lampejo de bom senso, a equipe de pesquisadores a apelidou de Ícaro. 

Isso tudo aconteceu em abril de 2018, mas em março desse ano esse recorde foi batido. Mais uma vez usando o telescópio espacial Hubble, uma equipe de pesquisadores liderada por Brian Welch da Universidade John Hopkins de Baltimore (EUA), descobriu uma estrela mais distante ainda. Apelidada de Earendel, que significa estrela da manhã em inglês antigo, a recordista está a mais de 13 bilhões de anos luz de distância. A luz de Earendel que nos chega hoje partiu há 12,9 bilhões de anos, quando o universo em si tinha menos de um bilhão de anos de idade! Para ser detectada pelo Hubble, Earendel contou com a ajudinha do aglomerado de galáxias WHL0137-08 que, adivinhe, amplificou sua luz com o efeito de lente gravitacional também. 

Com essa ajuda, a equipe de Welch conseguiu estimar que Earendel deve ter 50 vezes a massa do Sol e com uma luminosidade milhões de vezes maior. É possível até que Earendel seja parte do conjunto de primeiras estrelas do universo, chamadas de estrelas de População III. Estrelas dessa categoria foram formadas do material criado logo após o Big Bang, basicamente hidrogênio e hélio, e estão entre os alvos prioritários do novo telescópio espacial. 

O James Webb observa exclusivamente no infravermelho, comprimento de onda ideal para estudar as primeiras galáxias e, dentro delas, as primeiras estrelas. Sem precisar de ajudinhas da natureza, o James Webb vai enxergar ainda mais longe que o Hubble! Falta pouco para ele entrar em operação científica e quando isso acontecer, vai ser como eu repito: espere o inesperado! 

Cássio Barbosa é astrofísico e professor da FEI*