Cássio Barbosa*
Outro dia mesmo o semestre estava começando e, de repente, as férias estão logo ali. O fim do ano chegou e o Natal já é semana que vem! Só que esse ano a estrela do Natal não será o bom velhinho, mas o James.
Mas, que James? Se você não sabe do que eu estou falando, vem comigo que eu te explico quem é o James.
James Webb é o novo telescópio espacial projetado e construído pela agência espacial norte americana, a NASA. Novo é maneira de dizer, pois as primeiras ideias a respeito de construir outro telescópio espacial surgiram há quarenta anos, mais ou menos, e sua construção levou mais de 30, custando 10 bilhões de dólares. A ideia não é substituir o Hubble, mas sim complementá-lo, atuando em comprimentos de ondas diferentes.
Enquanto o telescópio Hubble foi projetado para observar em comprimentos de onda no ultravioleta, visível e infravermelho próximo, o James Webb foi projetado para atuar praticamente só no infravermelho, com apenas uma pequena sobreposição entre os dois. Entretanto, as semelhanças param por aí: o Hubble possui um espelho de 2,5 metros de diâmetro e está em uma órbita baixa, de apenas 600 km de altura que permitiu que ele recebesse 4 missões para atualização de instrumentos. Já o James Webb estará em uma órbita a 1 milhão de km da Terra e tem um espelho constituído por 18 placas hexagonais cobertas por ouro que, quando desdobradas, formarão uma estrutura com 6m de diâmetro.
Sim, foi isso mesmo que você leu. Não há, atualmente, nenhum veículo lançador que consiga acomodar uma estrutura com mais de 5 metros de largura. A saída então foi construir um espelho que se dobra duas vezes sobre ele mesmo. Depois do lançamento, já no espaço, ele deve se desdobrar e formar o espelho com a curvatura projetada. Vai vendo que esse será um lançamento coberto de expectativas.
Para construir o James Webb foi preciso inventar, desenvolver e testar tecnologias que não existiam há 20 ou 30 anos atrás. Isso justifica parte do atraso e do seu custo, mas de fato o projeto em si é um desastre do ponto de vista gerencial. Para se ter uma ideia ele chegou a ser cancelado pelo menos duas vezes mesmo já pronto e na fase de testes. Ele só foi salvo pela pressão popular sobre o congresso norte americano. Mas, afinal, o que justifica um projeto tão complexo e tão caro?
Seus objetivos.
Quando foi vislumbrado lá pela década de 1980, a ideia era observar as primeiras galáxias do universo. A luz das galáxias sofre um desvio, por causa da expansão do universo, de modo que quanto mais longe, mais rápida elas se afastam e maior é o deslocamento da luz para comprimentos de onda maiores, ou seja, o vermelho. Isso é apenas a ação do efeito Doppler comumente percebido em ondas sonoras e que ocorre em qualquer fenômeno ondulatório, como a luz.
No caso das primeiras galáxias o desvio para o vermelho é tão pronunciado que o espectro delas se desloca para muito além do visível, caindo na faixa infravermelha. Por isso o James Webb começa a "enxergar" apenas a partir da cor laranja e avança sobre o infravermelho.
Outro empurrão importante para justificar o projeto veio da descoberta dos exoplanetas em meados da década de 1990. Ocorre que os planetas devem se formar da mesma nuvem de gás e poeira que formam as estrelas. Até que que esse material todo seja dissipado e possamos detectá-los na luz visível, eles já evoluíram bastante. Em outras palavras, se quisermos observar os momentos iniciais da formação de exoplanetas, precisamos atravessar a poeira interestelar e o infravermelho faz isso muito bem.
Ainda em relação a eles, estudos mostram que é menos difícil procurar por evidências de vida extraterrestre em exoplanetas com observações no (adivinhem?) infravermelho. Nessa faixa do espectro eletromagnético, a emissão da estrela não ofusca tanto a emissão do planeta.
A ideia, nesse caso, é tentar observar bioassinaturas na atmosfera do exoplaneta, se ele tiver atmosfera. Essas bioassinaturas são gases produzidos por atividade biológica, tais como metano, ozônio e oxigênio. Ou, por que não, as tecnoassinaturas. Aqui já estamos falando de material depositado na atmosfera do planeta por civilizações que demostrem alguma evolução tecnológica. Pense na Terra. Nos últimos 150-200 anos o ser humano despeja toneladas de gases oriundos da atividade industrial e queima de combustíveis fósseis. Isso tudo pode ser detectado à distância, ao menos em teoria.
A missão do telescópio é muito promissora, com aquilo que se espera dela, mas em astronomia é muito comum a gente repetir: "espere o inesperado". Um exemplo recente é o da descoberta que o universo está se expandido de forma acelerada. Nenhum observatório foi construído, nenhum telescópio espacial foi lançado prevendo-se uma descoberta dessa magnitude. Vai saber quais surpresas nos aguardam.
O problema é que podem ocorrer surpresas desagradáveis antes do esperado...
Tudo o que os engenheiros mais evitam ao projetar equipamentos para ir ao espaço é inserir partes móveis. No fundo não tem muito jeito, pois satélites precisam desdobrar seus painéis solares e/ou estender antenas de comunicação e o James Webb tem mais de 100 partes móveis só para liberar o toldo térmico!
Quando um foguete é lançado, a aceleração pode chegar a 10 vezes o valor da aceleração da gravidade da Terra (10g para os íntimos). Além de experimentar forças e tensões colossais, tudo vibra sem parar até que o lançador atinja uns 100 km de altitude. Depois a carga ainda sofre mais um pouco, mas nada tão intenso assim.
Para manter tudo no lugar, as peças precisam estar presas com firmeza para não se soltarem com tanta vibração. Só que elas são peças que vão precisar se movimentar na hora certa. Como faz? Os braços robóticos dos jipes que pousam em Marte, por exemplo, são parafusados no chassi e depois do pouso cargas explosivas são detonadas para liberá-los.
Suave, não?
Depois que o James Webb chegar ao espaço, inicia uma jornada de 30 dias até chegar a sua órbita definitiva a 1 milhão de km de distância da Terra, desdobrando seu espelho, abrindo seus painéis solares e sua proteção térmica. A essa distância, o telescópio não terá a visão bloqueada pela Terra ou Lua como ocorre com o Hubble.
Por operar no infravermelho, os instrumentos serão resfriados por hélio líquido, mas o próprio telescópio e seu chassi não podem esquentar com a luz do Sol. Por isso, um grande toldo de material isolante desenvolvido especialmente para essa missão vai se desdobrar formando uma proteção térmica do tamanho de uma quadra de tênis! E ainda serão 5 camadas de toldo para garantir que o telescópio opere a uma temperatura sempre inferior a -220o C.
O James Webb deve chegar ao seu local de trabalho, mas suas atividades científicas só devem começar após mais ou menos 6 meses. Nesse período, todos os instrumentos serão checados e rechecados e, mais ainda, caracterizados e testados em condições reais de uso. A partir desse ponto, começa a contar o tempo da missão do telescópio: 5 anos, mas com meta de chegar a 10 anos de operação.
Em termos práticos, a diferença é assim. Os equipamentos foram projetados para durar dez anos. O telescópio não pode pifar até que ele complete seus objetivos primários, ou seja, os projetos que justificaram o investimento e isso deve tudo deve tomar os 5 anos iniciais. Se algum problema acontecer nesse intervalo, cabeças rolam. Depois desse período ele deve continuar operando, executando projetos complementares que devem extrair dos instrumentos mais até do que o previsto inicialmente.
Mas você deve estar se perguntando, o que o Natal tem a ver com isso?
Na última notícia divulgada sobre o James Webb foi informado que seu lançamento foi adiado pela enésima vez. Sem exagero, eu já perdi as contas de quantas vezes ele foi adiado pelos mais variados e inacreditáveis problemas. Desde um toldo térmico que se rasgou e precisou ser refeito, até uma dessas abraçadeiras que se abriu inesperadamente e bateu no chassi do telescópio, provocando vibrações "não previstas".
O James Webb já está montado no topo do seu lançador, um foguete Ariane 5 da agência espacial europeia, a ESA. Aliás, faltou dinheiro para bancar o lançamento do telescópio e a solução foi pedir para a ESA fazer isso e assim ela entrou de sócia, do mesmo modo que o Canadá, que ofereceu o sistema de guiagem do telescópio e a infraestrutura para armazenar seus dados na Terra. Dessa vez, o lançamento pulou do dia 22 para não antes de 24/12 por problemas elétricos na interface de comunicação entre o telescópio e o foguete.
O Ariane 5 é um foguete bem confiável e o James Webb deve alcançar sua órbita de transferência sem maiores surpresas, mas daí por diante as coisas mudam. Até que a NASA comunique oficialmente que o telescópio chegou ao seu destino final e está pronto para começar seu comissionamento, vai ter muito astrônomo vivendo à base de calmante. Mas vai dar tudo certo. Afinal, o Natal é uma época boa para milagres acontecerem, caso seja necessário.
Aliás, boas festas!
*Cássio Barbosa é professor e astrofísico da FEI