Cássio Barbosa*
Nova corrida espacial, ou rinha de bilionário?
Nos últimos meses o mundo inteiro acompanhou, com bastante interesse, o desdobramento de duas iniciativas de voos comerciais ao espaço. A Virgin Galactic, do bilionário excêntrico Richard Branson e a Blue Origin, do mais bilionário ainda Jeff Bezos, conseguiram efetuar voos suborbitais alcançando o espaço levando uma tripulação comum, digamos. E foi uma verdadeira corrida, uma disputa com lances de 5ª série, inclusive.
Mas o que está por trás disso tudo?
Basicamente estamos vivenciando a nova fase da era espacial, a fase da exploração turística/comercial do espaço. Nessa fase, os atores a desenvolver esse nicho são bilionários como Branson, Bezos (o homem mais rico do mundo) e também Elon Musk, o dono da empresa SpaceX. Todos eles começaram a explorar esse filão já tem mais de 10 anos, mas só agora os voos estão acontecendo e cada empresa tem o seu estilo.
A Virgin Galactic, por exemplo, executa um voo de duas etapas. Na primeira delas, um aeroplano leva de carona um veículo que de forma simples é um avião com foguetes. Ao chegar a uma altitude de 15 km, esse avião se desprende e, depois de cair livremente por um ou dois segundos, aciona seus motores para escalar até mais ou menos 90 km de altitude. A essa altura é possível notar a curvatura da Terra e também ver a escuridão do espaço através das janelas.
Ao chegar nesse ponto, a nave já esgotou seu combustível e inicia os procedimentos de retorno. Durante alguns minutos, os passageiros sentem a sensação de gravidade zero, até que, em queda livre, devem retornar aos seus assentos. Dois pilotos comandam as manobras do avião que agora não passa de um planador até pousar como qualquer planador comum depois de mais ou menos 90 minutos de viagem.
Em seu primeiro voo, além dos dois pilotos, a nave Unity 22 levou o dono da Virgin Galactic e mais 3 funcionários da empresa. A missão dos passageiros era voar como passageiros comuns, com a finalidade de avaliar a experiência do ponto de vista comercial.
A Blue Origin, por sua vez, faz um lançamento mais tradicional, com um foguete de dois estágios partindo da posição vertical. O primeiro estágio tem os motores e o combustível para levar a cápsula a 80-90 km de altura. Nessa altura, após 5 minutos de voo, a cápsula se desprende e a experiência de sensação de gravidade zero se inicia. Ainda com o impulso dado pelo primeiro estágio, a cápsula rompe os 100 km de altura e seus passageiros também podem verificar a curvatura da Terra e a escuridão do espaço. Diferente da Unity 22, a cápsula da New Shepard, como foi batizado o foguete, tem janelas panorâmicas
O primeiro estágio faz sua reentrada na atmosfera de forma controlada e pousa suavemente na vertical e, depois de uma boa revisão, volta a ser utilizado no próximo voo. Enquanto isso, a New Shepard inicia o seu retorno, com o uso de paraquedas para diminuir sua velocidade. No voo inaugural, voaram ao espaço o próprio Bezos, seu irmão, um holandês, estudante do ensino médio que pagou por volta de 28 milhões de dólares e Wally Funk, que se tornou a pessoa mais velha a atingir o espaço, com 82 anos. E o voo de Funk foi uma reparação histórica muito merecida.
Durante os treinamentos para o voo do primeiro astronauta americano, que só tinha candidatos masculinos, uma iniciativa paralela e não oficial executou o mesmo programa de treinamento da NASA, mas voltado exclusivamente para mulheres. Funk teve notas até melhores que John Glenn, o primeiro astronauta norte americano a executar um voo orbital, mas nunca chegou a voar. E ainda teve de ouvir da NASA que uma mulher nunca seria capaz de ir ao espaço...
As duas empresas fazem voos suborbitais, isto é, nenhum deles chega a entrar em órbita da Terra, a New Shepard, inclusive, faz um voo balístico. Ambas as naves atingem o espaço, mas há aí uma controvérsia alimentada pela Blue Origin, num estilo bem 5ª série.
Não existe uma fronteira bem definida (fisicamente) para dizer onde acaba a atmosfera da Terra e onde começa o espaço. Um engenheiro, na década de 1950, chegou a calcular que a uma altura de 89 km, um avião não conseguira voar sem o uso de foguetes. Com isso a NASA e a agência de aviação dos EUA passaram a adotar esse valor. Só que o resto do mundo nunca curtiu muito esse número quebrado e o arredondou para 100 km. Aí a empresa de Bezos, que não conseguiu ser a primeira a voar, fez um comunicado que só a New Shepard tem capacidade atingir o espaço, além de ter janelas maiores e usar combustível mais correto ecologicamente...
Ficou interessado? A Blue Origin ainda não definiu o preço de sua viagem, mas a Virgin Galactic vende sua “experiência espacial” por meros 450 mil dólares! Vai encarar? Corre lá que tem fila de espera...
Quem ainda falta voar, nessa perspectiva de turismo espacial claro, é a SpaceX. Isso deve acontecer agora dia 15 de setembro. A missão foi batizada de Inspiration 4 e foi patrocinada, adivinhem, por um bilionário. Jared Isaacman está bancando a missão e ofereceu um assento para Hayley Arceneaux, ex paciente de um hospital pediátrico nos EUA e que hoje é médica assistente. As duas outras vagas foram decididas em um sorteio entre os que doassem dinheiro em prol do mesmo hospital (podia ser apenas um dólar para se candidatar) e através de um reality show no estilo shark tank.
Esse voo sim, será orbital e a cápsula Crew Dragon da SpaceX foi adaptada com uma cúpula transparente para que os passageiros possam contemplar o espaço. A missão está prevista para durar 3 dias, circulando várias vezes o planeta.
Por enquanto, tudo isso não passa de montanha russa de bilionário, uma diversão para pouquíssimas pessoas no mundo. Mas assim foi com a aviação comercial, que no seu início era opção para poucas pessoas e com o tempo foi barateando. Isso deve acontecer com esses voos espaciais também e espero que não demore muito!
Cássio Barbosa é astrofísico e professor do Centro Universitário FEI*