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Tango Delta Perseverance: Sonda enviada pela Nasa pousa em Marte com sucesso

Tango Delta Perseverance: Sonda enviada pela Nasa pousa em Marte com sucesso


  26/02/2021

Cássio Barbosa*

Semana passada não tinha condições de postar nada, todo mundo estava pilhado com o pouso do novo jipe da NASA em Marte. Mesmo ela já ter conseguido pousar o jipe Curiosity em segurança em 2012, usando o mesmo procedimento, não dá para dizer que seja uma manobra dominada.

Além das complicações de se fazer um pouso por etapas, numa sequência precisa de eventos, o Perseverance iria encontrar uma superfície muito mais acidentada do que seu irmão Curiosity. Apesar de ambos terem pousado dentro de crateras, Jezzero e Gale respectivamente, o local de pouso da Perseverance é suspeito de ter sido o leito de um lago, com diversas rochas expostas, encostas e barrancos por onde a água parece ter fluído há muitos milhões de anos.

Não que isso não tenha sido pensado antes e um sistema de escolha da melhor posição para o pouso não tenha sido incluído, mas nada tinha sido testado antes, só simulado. Pois é isso mesmo que você leu, o sistema de radar que rastreou o solo em busca de obstáculos, os algoritmos de inteligência artificial para selecionar o local mais adequado e o sistema de propulsão ativa não puderam ser testados na Terra.

Em primeiro lugar porque a atmosfera na superfície de Marte é apenas 1% da atmosfera terrestre ao nível do mar e não é viável construir uma câmera grande o suficiente para simular as condições de manobras que desde 10 km de altitude, onde a atmosfera é mais rarefeita ainda. Segundo que a gravidade de Marte é apenas um terço da gravidade terrestre, portanto o peso do módulo de pouso que carregava o jipe é também um terço do peso dele na Terra. Para completar, os retrofoguetes não se comportam da mesma maneira na Terra e em Marte, devido às inúmeras diferenças de condições ambientais.

Resultado: todo o sistema de pouso só pode ser simulado e não foi testado; jamais o apelido ‘7 minutos de terror’ que foi dado a todo procedimento fez tanto sentido... Mas afinal, professor, o jipe pousou em segurança ou não?

Sim, sim! O pouso foi acompanhado ao vivo pelo mundo todo, inclusive por esse que vos escreve! Na verdade, ao vivo numas. Existe um atraso natural devido a distância entre a Terra e Marte. Mesmo viajando à velocidade da luz, os sinais de rádio levam atualmente 11 minutos para chegar até aqui e vice versa. Por isso era necessário fazer com que o módulo de pouso tomasse decisões de forma autônoma, pois é inviável comandar as manobras desde o centro de controle em Pasadena.

Assim que pousou, o jipe enviou uma foto para a Terra sem usar nenhum satélite para retransmiti-la. Apesar de muito esperada, a foto causou espanto por ser em preto e branco e ter uma qualidade para lá de questionável. Acontece que essa primeira imagem não tinha a menor intenção de ser bonita nem do ponto de vista científico, mas sim mostrar o terreno em que o jipe havia pousado. Todas as vezes que uma sonda pousa em outro mundo, como a Lua ou Vênus por exemplo, ela envia uma foto do terreno onde pousou, mostrando inclusive como a sonda se acomodou na superfície: se ela está inclinada, se pousou sobre uma rocha ou na beira de uma cratera pequena que não fora mapeada anteriormente. Além disso, a sonda só tinha tocado no chão quando a foto foi feita, nem sequer a capa translúcida que protege a lente da câmera havia sido ejetada.

Depois de passar dois dias marcianos (chamados de sóis, e que têm a duração de 24 horas e 37 minutos) fazendo testes para saber da integridade da sua eletrônica, a flotilha de satélites da NASA em órbita de Marte começou a enviar uma batelada de imagens e filmes. Sim, vídeos feitos pelo módulo de pouso mostrando os momentos críticos das manobras até que o controle da missão pudesse anunciar “Tango Delta nominal”, código para pouso normal.

As fotos chegaram sem processamento algum, estão em preto e branco, mas foram obtidas com o uso de diferentes filtros então é só uma questão de combiná-las adequadamente para produzir imagens coloridas em alta resolução como essas aqui. A análise inicial dessas imagens mostra que o sistema de rastreio de perigo no solo e os algoritmos de inteligência artificial fizeram uma escolha perfeita para o local de pouso. As rochas com tamanho para danificar o jipe ficaram a 35 metros de distância. Além disso, a inclinação do jipe em relação ao terreno é de apenas 1 grau, ou seja, praticamente na horizontal!

Mas o grande show veio nessa última segunda feira (22), quando a NASA divulgou o vídeo da descida em sua coletiva de imprensa. O vídeo, colorido e em alta resolução, foi sincronizado (depois) com a sequência de eventos registrados no controle da missão. Ele mostra em detalhes a liberação do escudo de proteção térmica, do paraquedas e da carapaça de proteção do módulo de descida. Mais ainda, mostra a separação do... Péra, prá que ficar de blá blá blá? Assista o vídeo, tire suas conclusões e tente não se emocionar! Ah, tem áudio gravado direto da superfície também  :) !

Cássio Barbosa é astrofísico e professor no Centro Universitário FEI*