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Evento de Carrington: o acontecimento mais impressionante na física solar

Evento de Carrington: o acontecimento mais impressionante na física solar


  03/02/2021

No primeiro dia de setembro de 1859, o astrônomo Richard Carrington observava o Sol com seu telescópio, projetando a luz sobre uma tela. A imagem projetada mostrava várias manchas solares e enquanto a observação acontecia, Carrington desenhava essas manchas sobre a tela. Era assim que os astrônomos da época registravam suas observações, já que não havia ainda fotografia.

De repente, ele notou que uma das manchas subitamente se tornou muito brilhante, como um lampejo muito intenso. Sem saber, Carrington havia registrado o evento mais impressionante da história da Física Solar, tanto que ficou conhecido como “o evento de Carrington”. 

O lampejo desse dia foi na verdade uma ejeção de massa coronal (CME) do Sol, uma explosão solar em decorrência da alta atividade magnética solar. CMEs não são raras e, em geral, causam lindas auroras em altas latitudes ao norte (as auroras boreais) bem como ao sul da Terra (as auroras austrais). Todavia a CME registrada por Carrington foi a mais intensa conhecida até então.

A tal “massa coronal” é simplesmente um pedaço do Sol, ou seja, uma nuvem de gás ionizado que é ejetada em altas velocidades. Essa nuvem é bloqueada pelo campo magnético terrestre e na grande maioria dos casos, não gera nenhum prejuízo. Mas em casos mais raros o evento traz consequências desagradáveis.

Se o evento de CME for muito intenso, as partículas ionizadas interagem com o campo magnético da Terra gerando as auroras, mas ao serem conduzidas aos polos magnéticos terrestres, induzem correntes muito intensas. Em 1859, a humanidade ainda não havia desenvolvido a eletricidade como sua base tecnológica, bem como não havia aparelhos eletrônicos, mas ainda assim as correntes induzidas nos fios de telégrafo queimaram muitos aparelhos. Há inúmeros relatos de telégrafos funcionando sozinhos, linhas se incendiando e baterias curto-circuitando nos escritórios telegráficos. Auroras foram registradas em lugares como Cuba ou América Central, muito longe dos locais usuais, como Noruega e Nova Zelândia. Se um evento como esse ocorresse nos tempos atuais, o estrago seria enorme. 

Uma CME muito intensa, como a de Carrington causaria estragos terríveis ao chegar na Terra, colapsando o sistema de geração e distribuição de eletricidade. Satélites em órbita seriam severamente afetados, a ponto de serem inutilizados, o que seria uma catástrofe para comunicação e transmissão de dados via satélite, bem como o sistema de posicionamento por GPS. Mais do que ficar sem Waze ou Google Maps, o colapso do sistema de posicionamento por satélites deixaria as plataformas flutuantes de petróleo à deriva, já que elas são mantidas em suas posições através de satélites GPS. Correntes induzidas na superfície terrestre teria potencial para arruinar qualquer sistema eletrônico sensível, como computadores e a própria rede de internet. Não haveria comunicação por celular, nem mesmo rádio.

O mundo sofreria um apagão tecnológico catastrófico! 

E as chances disso ocorrer não são tão pequenas assim, como concluiu um estudo recente. Até essa pesquisa ser publicada, a ideia era que um evento como o de Carrington ocorreria apenas a cada 100 anos mais ou menos, mas uma reanálise de eventos recentes mostrou que essa ideia está errada. Um evento igual ao de 1859 ocorreu em 1921, quando auroras intensas foram registradas em Santiago do Chile, por exemplo. Em março de 1989, uma CME um pouco menos intensa atingiu a Terra e inutilizou uma usina hidrelétrica no Canadá, causando um apagão em Québec. 

O mais assustador de todos os eventos modernos foi a CME conhecida como “Tempestade do dia da Bastilha”, ocorrida dia 14 de julho de 2012. A intensidade medida dessa CME foi até superior a intensidade calculada para o evento de Carrington, a diferença, que acabou nos salvando do colapso tecnológico, foi que a nuvem de plasma ejetada passou de raspão pela Terra e apenas uma parte muito pequena nos atingiu. Não fosse isso, muito provavelmente você não estaria lendo esse texto na internet...

Parece exagero, mas estudos feitos pelo Departamento de Energia dos EUA em conjunto com físicos solares da NASA apontaram que se de fato a Terra passar por outro evento como o de 1859, nossa sociedade sofreria um colapso tão profundo que levaria mais de uma década para se recompor. Isso ao custo de centenas de trilhões de dólares. Melhor se prevenir.

Mas como?

 Existe um ramo da Física Solar que faz estudos nesse sentido, chamado Clima Espacial. Usando telescópios em Terra e no espaço, os climatologistas espaciais monitoram o Sol, 24 horas por dia ininterruptamente. Analisando o comportamento dele, segundo após segundo, os pesquisadores tentam obter pistas que mostrem quando uma explosão solar está prestes a acontecer. Com esses dados, modelos de previsão de tempestades são construídos e, assim como a meteorologia faz com as chuvas, tenta prever as tempestades solares para que possamos nos prevenir.

Não é possível evitar os impactos decorrente de uma CME intensa, principalmente se ela vier seguida de uma outra, mas é possível sim criar sistemas que reduzam os estragos. Por exemplo, caso uma CME extrema consiga ser antecipada pelos modelos, sistemas críticos e mais sensíveis seriam até mesmo desligados para preservar sua eletrônica. Isso já foi feito inúmeras vezes com o telescópio espacial Hubble.

Atualmente, nosso melhor sinal de que o Sol sofreu uma CME é o banho de radiação que a Terra sofre alguns dias antes da sua chegada. O lampejo de radiação e a CME ocorrem juntos, mas como a primeira é radiação, ela viaja a velocidade da luz chegando na Terra em menos de 9 minutos. A CME, todavia, é matéria e viaja a milhares de quilômetros por segundo, o que nos dá entre 2 e 3 dias para tirar tudo da tomada. E apenas desligar tudo é muito pouco.