Cássio Barbosa*
Vem aí o mês de fevereiro e, com ele, uma verdadeira onda de desembarques. Não aqui na Terra, mas em Marte!
Olha só...
A cada 26 meses, as posições da Terra e Marte em suas respectivas órbitas faz com que a distância entre ambos seja a menor possível. Isso abre uma janela de oportunidades para que interessados enviem sondas para estudar o planeta vermelho. São dois os motivos: a viagem é mais rápida (mesmo que leve uns 6-7 meses), mas, principalmente, porque economiza-se muito combustível.
A explicação está na dinâmica orbital dos planetas. A velocidade orbital da Terra em relação ao Sol é maior do que a de Marte e quando um foguete deixa nosso planeta, mantém essa velocidade. Então a ideia é igual àquela jogada de futebol conhecida como “ponto futuro”, ou a “ponte aérea” do basquete. O foguete com a sonda não é apontado diretamente para Marte, mas num ponto mais adiante de sua órbita, de modo que depois de 6-7 meses os dois se encontrem no espaço. Com a ajuda de algumas manobras para desacelerar o foguete, a própria gravidade de Marte se encarrega de capturar a sonda de modo que ela entre em uma órbita de espera.
Ocorre que essa janela de oportunidades aconteceu entre julho e agosto do ano passado e China, EUA e Emirados Árabes Unidos (EAU) aproveitaram a oportunidade para enviar suas sondas. E a hora do encontro dessas sondas com Marte está chegando.
A primeira a chegar, no dia 09 de fevereiro, deve se a sonda Al Amal (esperança em árabe), lançada pelos Emirados Árabes Unidos em 19 de julho do ano passado por um foguete japonês. Sem nenhuma tradição espacial, os EAU se lançaram logo a um desafio bem difícil: alcançar Marte. O índice de sucesso de sondas inseridas em órbita de Marte é da ordem de 50%. A NASA demorou muito tempo até conseguir uma manobra bem sucedida. É bem verdade que a Índia conseguiu esse feito logo na sua primeira tentativa e talvez por isso a agência espacial dos EAU tenha resolvido arriscar.
A missão da Al Amal tem também três universidades norte americanas, uma do Colorado, uma do Arizona e outra da Califórnia. A ideia é estudar o solo e atmosfera de Marte a partir de diversos instrumentos em órbita e assim que os dados forem recebidos e compilados, devem ser distribuídos para mais de 300 instituições interessadas. Tudo sem nenhum custo!
A segunda missão a chegar em Marte deve ser a sonda chinesa Tianwen-1 (algo como ‘questões celestiais’) lançada 23 de julho passado encontrando Marte dia 10 de fevereiro. Essa é segunda tentativa da China em alcançar Marte. A primeira foi em 2011 quando a sonda Yinghuo-1 de carona com a sonda Phobos-Grunt da Rússia e da Europa falhou em escapar da gravidade da Terra. Um problema com o lançador fez com que a carga permanecesse em órbita baixa por algumas semanas até que a carga caiu no mar. Dessa vez os chineses resolveram fazer tudo sozinhos.
E tudo mesmo. A missão chinesa é uma missão completa, ou seja, vai inserir um módulo orbitador que desprenderá um módulo de pouso. Ao chegar são e salvo (tomara!) o módulo de pouso vai descarregar um jipinho para estudar as vizinhanças. Um verdadeiro hat-trick! Vale lembrar que além do risco da inserção orbital ser bem alto, só uma agência espacial conseguiu fazer pousos bem sucedidos em Marte, a NASA. Tentativas não faltaram, a antiga União Soviética, a Rússia e a Agência Espacial Europeia (ESA) nunca foram bem sucedidas. Aliás a ESA ia aproveitar essa última janela para enviar o seu jipe marciano, mas os atrasos em decorrência da pandemia acabaram adiando os planos para a próxima janela no ano que vem.
Finalmente, a última missão a desembarcar em Marte deve ser o Perseverance (ou Persy para os íntimos) da NASA. Lançado no dia 30 de julho, o Persy é na verdade um jipe quase igual ao Curiosity atualmente em operação na superfície marciana. Sua inserção orbital está programada para 18 de fevereiro, quando as manobras para o complicado pouso devem se iniciar.
O procedimento de pouso do Persy será uma manobra bastante arriscada, que foi conseguida com sucesso pelo Curiosity em agosto de 2012, mas que ficou conhecida como ‘7 minutos de terror’. Ambos os jipes pesam por volta de 1 tonelada e as manobras usuais de freio aerodinâmico e acionamento de paraquedas não são eficientes para desacelerá-lo. Isso porque a atmosfera de Marte, em sua superfície, é apenas 1% da atmosfera da Terra, ou seja, sua densidade é muito baixa para promover o arrasto necessário para frear a cápsula. Com isso, no estágio final da aterrissagem, o jipe deve ficar suspenso por um guindaste e a estrutura de sustentação acionará quatro retrofoguetes para não só desacelerar a queda, como também para procurar uma região menos acidentada para um pouso mais seguro. Com o jipe em solo, os cabos de sustentação serão rompidos e a estrutura deve ser jogada bem longe para não causar nenhum dano a ele. Daí vemos que o nome 7 minutos de terror vem bem a calhar...
O Persy deve visitar áreas promissoras para existência de vida, seja no passado, seja atualmente e deve coletar e armazenar amostras para serem trazidas à Terra futuramente. Mas o grande atrativo da missão é um helicóptero que viaja de carona. Esse ‘martecóptero’ recebeu o nome de Ingenuity e temo como objetivo testar a tecnologia para que as próximas missões levem também drones que auxiliem na pesquisa e no mapeamento de Marte.
Por enquanto, as 3 sondas têm enviado sinais telemétricos que indicam que estão em boa saúde. O que é uma ótima notícia tendo em vista as condições difíceis que enfrentaram no lançamento e durante a viagem por quase 100 milhões de km no espaço. Tudo indica que daqui 2 semanas teremos mesmo uma sequência de desembarques terráqueos em Marte. Vamos aguardar!
Cássio Barbosa é professor e astrofísico no Centro Universitário FEI*