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5ª Semea: “Sem a floresta a vida não vinga, minguando a flora, a fauna, a natureza, a humanidade”, diz presidente da FEI no encerramento do evento

5ª Semea: “Sem a floresta a vida não vinga, minguando a flora, a fauna, a natureza, a humanidade”, diz presidente da FEI no encerramento do evento


  04/10/2023

Comunidades indígenas, pesquisadores, cientistas, estudantes e lideranças da Companhia de Jesus marcaram presença no evento que reuniu mais de 800 pessoas no Campus da FEI, em São Paulo

Solenidade de Encerramento da 5ª Semea


Depois de dias intensos de atividades na 5ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea) que reuniu mais de 800 pessoas no campus da Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros (FEI), em São Bernardo do Campo (SP), entre os dias 26 e 29 de setembro, ocorreu no final da tarde de sexta-feira (29), a Solenidade de Encerramento do evento.

Pe. Theodoro Peters, SJ, presidente da FEI, comentou que a Semea movimentou pessoas, envolvendo-as no programa do evento que pautava a economia circular territorial, o amazonizar São Paulo, as tecnologias socioambientais, e os direitos da natureza e direitos humanos (Saberes Originários). Enfatizou as situações de desagravo com o meio ambiente e os povos da floresta, além de recordar as novas configurações climáticas que poderão tornar inviável a vida humana e animal daqui um tempo. Salientou a importância das juventudes no processo de construir um futuro promissor de cuidado com o planeta e pediu a todos o compromisso com a Amazônia: “Sem a floresta a vida não vinga, minguando a flora, a fauna, a natureza, a humanidade”, ressaltou.

Além do Jesuíta, participaram da mesa de encerramento: Maria Tereza Saraiva (profa. FEI), Juscélio Pantoja (Centro Alternativo de Cultura – CAC), Moara Tupinambá (Associação Wyka Kwara), Luiz Fernando Teixeira (Deputado Estadual de São Paulo) e Luiz Felipe Lacerda (Olma).

A profa. Maria Tereza que esteve à frente da organização da 5ª Semea na FEI, fez uma síntese dos painéis institucionais e os compromissos que a FEI passa a assumir. Entre esses compromissos está como ação futura o diálogo permanente com os povos amazônicos para aprender mais com eles e então verificar as reais necessidades das quais pode contribuir para superá-las de maneira efetiva. Além disso, pensa-se na inclusão de componentes curriculares sobre as questões e desafios da Amazônia, capacitando os estudantes para o enfrentamento de pautas estratégicas para o reconhecimento e valorização da cultura e tradição indígena na FEI.

Com uma memória agradecida, Juscélio que participa como membro do Conselho da Rede de Promoção e Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil recordou esta e as outras edições da Semea e reforçou: “A Semea é um lugar de tensionamento interno para a Igreja porque este é um espaço da Igreja, interno para a universidade no processo de aprendizagem, mas também interno para nós porque encontrar com o outro e com a outra é sempre um desafio, principalmente quando as culturas são tão diferentes. Afinal, alinhar os saberes, as espiritualidades, alinhar as metodologias, os serviços e sobretudo compreender o lugar de fala e de escuta dos povos amazônicos exige um espírito de muita disposição e colaboração”. Por último, sugeriu a FEI como expectativa de incidência no espaço acadêmico, a de pensar, entre outras coisas, políticas educacionais para o combate ao racismo e processos etnocêntricos, assim como fomentar espaços de ingressos de grupos étnicos marginalizados no espaço acadêmico.

Moara Tupinambá manifestou estar muito feliz por ver vários compromissos a serem assumidos com a Amazônia, mas frisou também que São Paulo é um território indígena, um dos maiores em populações, sendo importante um olhar sobre a questão local. Além disso, é necessário um “letramento racial urgente” no estado, não só no meio acadêmico. “É preciso chamar os parentes para as universidades, valorizando o trabalho deles. Nós temos cientistas, nós temos filósofos, temos comunicadores, artistas e outros,”enfatizou.

O deputado Luiz Fernando apontou a Semea como uma oportunidade de construir coletivamente uma frente ampla parlamentar na Assembleia Legislativa para amazonizar o estado de São Paulo, considerando as pautas dos povos originários e tradicionais. Ressaltou: “saber que a FEI abre as portas não só para fazer esse estudo, mas sobretudo para assumir compromissos com a causa me faz querer somar com ela.”

Para encerrar o momento da mesa solene, Luiz Felipe Lacerda em sua fala agradeceu a todas as equipes envolvidas no processo coletivo que implicou dinâmicas autogestionadas e aprendizagens múltiplas. Em especial, agradeceu a FEI por aceitar o desafio de realizar a 5ª edição da Semea e a comitiva amazônica.

No último dia de evento também ocorreram três importantes espaços de reflexão: duas oficinas simultâneas e um painel. Além disso, um forte momento de mística e espiritualidade amazônica foi realizado com os participantes.

Mística e Espiritualidade

O Pe. Justino Sarmento, SDB, da etnia tuyuka¸ um dos auditores do sínodo para a Amazônia, foi quem conduziu o momento de mística e espiritualidade amazônica. Ele entende que o evento em si nos agitou e que precisamos buscar estar sempre em equilíbrio. Evocou as forças espirituais dos pássaros, do Deus dos elementos da natureza (fogo, ar, terra e água), dos maracás e com defumação, cantos e rezos em língua nativa chamou as forças ancestrais para cada pessoa ali presente. Os participantes foram convidados a sentir as essências da floresta e a molhar suas mãos nas ervas em sinal de purificação. O grupo de indígenas presentes também colaborou com o momento do benzimento, próprio da espiritualidade dos povos originários.

Oficina da Mandala da Espiritualidade Amazônica
“Nós somos artesãos da vida e em defesa da vida” foi o que disse Benedito Alcântara, do Projeto Guardiões Ribeirinhos Socioambientais, quando iniciou a sua oficina da Mandala da Espiritualidade e Bem Viver, que ocorreu na manhã do último dia da Semana de Estudos Amazônicos.

Os participantes tiveram os seus cinco sentidos aguçados por meio dos cheiros, sabores, toques, olhares e sons em contato com elementos próprios da região amazônica: sementes, ervas, folhas, plantas aromáticas, essências, óleos, terras, instrumentos de pescado e transporte, iguarias como o jambu, músicas amazônicas, etc.

Em uma conversa descontraída, o mediador promoveu um momento de troca de saberes com os participantes que ele nomeou como “os de lá” (amazônicos) e “os de cá” (não-amazônicos). Alguns elementos como a copaíba (espécie medicinal cicatrizante e anti-inflamatória) e a priprioca (erva aromática e medicinal usada em perfumes e para estancar hemorragias) foram conhecidas mais profundamente a partir desses diálogos.

Durante a oficina temas como economia circular, historicidade amazônica, bioma e espiritualidade dos povos da floresta fizeram parte da conversa.

“A andiroba, um óleo medicinal, é usado muitas vezes também como elemento da espiritualidade amazônica pelas benzedeiras, mulheres reconhecidas como curadoras. A andiroba é cicatrizante, por isso em cirurgias espirituais que não tem corte e não tem a ver com atormentações de espíritos ela é usada para harmonizar o corpo. A pessoa é ungida com azeite de andiroba que vai lhe devolvendo o bem-estar, retirando a desarmonia feita entre homem e natureza”, comentou Juscélio Pantoja, coordenador do Centro Alternativo de Cultura (CAC), e um dos membros da construção da oficina de mandala.

Danças circulares e a musicalidade amazônica movimentaram os participantes. De acordo com os diálogos, a corporeidade faz parte do ser amazônida, “se reza com o corpo” e a musicalidade “não é eurocentrada, os sons são circulares e se sincronizam”, dizia alguém.

“A nossa mandala é trazer a circularidade própria da Amazônia e trouxemos, viemos com as Amazônias que habitam em nós que somos filhos e filhas delas. Essa é a nossa artesania de vida, sabores, saberes e cheiros”, comentou Benedito que também pediu que todos se vissem entrelaçados nos tecidos ali expostos que formavam um grande círculo: “temos agora algo em comum, causas em comum, lutemos juntos”, finalizou.

Roda de conversa sobre gestação, parto e puerpério nas culturas tradicionais
Um espaço que garantiu compreender a gestação, parto e puerpério nas Culturas Tradicionais. O encontro contou com a participação de Aramita Prates Greff, psicóloga, como mediadora.

A roda de conversa começou com uma dinâmica para que o público pudesse conectar corpo e mente, imaginando o poder que nossos ancestrais têm sob nossos sentimentos e pensamentos. Para as mediadoras, era importante trabalhar a força do olhar, no tempo e ritmo das águas, e as técnicas dos ancestrais, pois para elas “as raízes da terra transmitem a luz do conhecimento.”

Marluce Araújo, representante do Centro Alternativo de Cultura (CAC), falou sobre a sua experiência de ingresso e serviço como doula. Há 10 anos, ela trabalha na área. Tudo começou com o seu próprio parto, no qual esteve acompanhada por uma doula, e pôde trazer seu filho ao mundo com menos sofrimento e de forma natural. Passado algum tempo ela mesma buscou se tornar uma doula, hoje luta por essa profissão que ainda não é regulamentada no Brasil. Atualmente o PL 3.946/2021 está em tramitação e traz as regras e requisitos para o exercício da profissão e garante doulas no quadro de equipes de atenção básica à saúde. Doulas são profissionais que oferecem apoio durante a gestação, o parto e pós-parto.

Instigadas com a temática, outras mulheres que participavam da roda de conversa relataram a ocasião dos seus partos e para algumas houve violência obstétrica.

“Esse processo que chamamos de VO (violência obstétrica) é presente em hospitais particulares, públicos, ou até mesmo em suas residências, onde as pessoas querem acelerar o processo do parto, silenciando as dores das mulheres. Mas, elas têm o direito do parto respeitoso”, pontuou Marluce que comentou também do sonho de fundar uma associação de doulas na Região Norte.

Uma das violações mais refletidas em roda foi o famoso “toque”, processo que os médicos utilizam para saber quantos centímetros de dilatação a mulher gestante se encontra. No entanto, outras formas de violência foram sinalizadas como a do silenciamento, “onde os profissionais de saúde verbalizam que gritar não fará diferença, ou menosprezam este momento, lhes pedindo para morder um pano ou gritar mais baixo,” expressou a representante do CAC.

Enquanto isso, as ações das profissionais doulas promovem a importância do grito. Gritar tem origem etimológica do latim quirito, – are, que significa chamar, invocar, etc. Nesse sentido, o processo do grito evoca a força feminina, os saberes e forças dos antepassados, conectando todo o corpo para esse processo do parto. Além de ensinar a ter controle sobre respiração e a externalização das dores.

Francisdalva da Conceição (Turi Omonibô), do território quilombola do Abacatal, em Belém-PA, corroborou com essa visão e trouxe reflexões sobre os conhecimentos ancestrais dentro das comunidades tradicionais. “As nossas parteiras trazem isso, a ligação de geração em geração, o trabalho espiritual e o cuidado com o parto e puerpério.”

Suzelene Claudine, da Coordenação de Povos Indígenas de Manaus e Entornos (COPIME) também compartilhou as tradições de seu povo: “no momento de parir, existe um benzimento para que a criança nasça mais rápido”, disse.

Outras mulheres como Márcia Kambeba e Marcivana Sateré Mawé também participavam da roda.

Painel Direitos da natureza e defensores socioambientais


O painel teve a mediação do Prof. Dr. Luiz Felipe Lacerda, Secretário Executivo do Olma, que iniciou com uma informação alarmante: o Brasil há mais de uma década desponta com um dos cinco países mais perigosos para os defensores do meio ambiente “e a Amazônia é o cenário onde esse índice de assassinatos é um dos maiores.”

Repactuar a relação do ser humano com a natureza é um dos fundamentos originários da Semea. “Os direitos da natureza são um patrimônio, um bem e para nós é ainda um ser, e sendo ser, ela também é sujeita de direitos,” comentou Lacerda. Na sua fala ele trouxe exemplos do que chamou de inteligência da natureza a partir de pesquisas científicas estudadas em grandes centros como a Oxford, comentou sobre alguns mecanismos de apoio e proteção à causa como o mapbiomas que gera alertas de desmatamento de vegetações nativas, e sinalizou as três correntes teóricas que coexistem dentro do direito jurídico sobre os direitos da natureza, sendo elas: antropogênica, biocêntrica, ecocêntrica.

Um dos convidados a refletir sobre os direitos da natureza desde a perspectiva jurídica foi o procurador regional da República em Brasília (DF), Dr. Felício Pontes. Ao longo de sua carreira ele se dedicou aos processos de conflitos socioambientais que ocorrem na Amazônia e chegam até o tribunal de apelação. Por isso, entender a cosmovisão dos povos da floresta é elementar em situações de defesa de território ou de grandes impactos que esses povos possam sofrer pelos megaprojetos, pontua Felício. “A Amazônia está em conflito entre dois modos completamente diferentes de se ver a região. No primeiro modelo temos um modelo de desenvolvimento predatório e no segundo um modelo de desenvolvimento socioambiental. ”

A disputa entre esses dois modelos tem sido presente na economia da Amazônia. De acordo com o procurador, são cinco atividades básicas que acarretam conflitos com frequência: madeira, pecuária, mineração, monocultura e energia. “Em qualquer uma dessas situações, será gerado um conflito com comunidades indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, enfim com os povos e comunidade tradicionais.”

Entre os participantes do painel estiveram na discussão: Isabelle Ribeiro, do Olma, apresentando a Campanha A vida por um fio que trata da salvaguarda da autoproteção dos defensores socioambientais e comunidades ameaçadas e acontece em parceria com a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam – Brasil); o Kwarahi Tentehara (Associação Wika Kwara) que fez um resgate da ferida colonizadora sobre seus corpos-territórios, e da perda de seus direitos, lembrando de casos no qual a ritualística própria da floresta foi silenciada dentro de comunidades indígenas, denuncia; e a Dra. Taissa Tavernard (Universidade do Estado do Para) que falou a partir de um dano, a destruição do meio ambiente, que afeta as comunidades originárias e tradicionais, além de abordar temas como a decolonidade e cosmopercepção em relação aos terreiros de matriz africana.

O que falaram outras autoridades sobre a 5ª edição da Semea

Em entrevista ao GT de Comunicação do evento, o provincial dos Jesuítas no Brasil, Pe. Mieczyslaw Smyda, SJ, falou sobre a responsabilidade da Companhia de Jesus em promover a Semea e às reflexões oriundas das discussões. “Vivemos um momento privilegiado da Companhia de Jesus, pois tomamos consciência juntamente com o mundo inteiro, a Igreja e o Papa Francisco, que estamos em um momento crucial para preservar e cuidar do mundo criado por Deus. A partir deste olhar, de que tudo é criado para a vida e à serviço dela, nós devemos ser colaboradores desta criação e não mais destruidores dela”, afirmou.

“A proposta da SEMEA, em amazonizar São Paulo, para nós, é levar a sociedade, principalmente às pessoas do Sudeste – uma região tão distante – a conhecer o que é a Amazônia. Tudo o que acontece lá tem implicação e traz os seus reflexos aqui (em São Paulo). E é preciso que o Brasil todo conheça essa realidade amazônica. Nós só amamos e defendemos aquilo que nós conhecemos e, hoje, as dores da Amazônia, precisam ser sentidas para que possamos ver e solucionar essas dores”, destacou Marcivana Sateré Mawé,” líder dos Povos Indígenas e a primeira mulher a assumir a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), além de auditora do Sínodo da Amazônia.