O terceiro dia da Semea, na quarta feira (28), começou com a ousadia, coragem e a potência das mulheres em uma roda de conversa sobre ‘Saberes femininos como tecnologias sociais – Diálogo entre mulheres da Amazônia e do Sudeste’. A profa. Dra. Carla Soares de Araújo, docente da Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros (FEI), mediou os diálogos.
As mulheres já iniciaram o bate-papo de forma ativa e desconstruída, ocupando o espaço de defensoras do território-corpo, dos seus lugares de fala e por se reconhecerem como detentoras de conhecimento ancestral. Aliás, sobre esse último assunto, Kauacy Wajãpi comentou: “O que nós temos é dado de ancestralidade. É oralidade. É sentar no chão e ouvir o seu mais velho. Todas as experiências que nós temos de vida e existência, como a medicina natural, o lavrado da terra e com tudo que há, foram passadas oralmente. Por isso, tamanha é essa a nossa importância.”
Em sua vez, Marcivana Sateré Mawé apresentou alguns dados sobre o retrato da mulher indígena na cidade de Manaus (AM). Segundo ela, “grande parte dessas mulheres se sustentam pelo programa bolsa família ou pela aposentadoria dos seus mais velhos. Inclusive, no movimento indígena a gente tem discutido a importância desses benefícios como fonte econômica das famílias indígenas no Amazonas”. Além disso, ela também fez um apelo ao respeito às culturas, pois entende que o que as difere das outras mulheres é a cultura.
Patrícia da Silva Ferreira, parceira do Centro Alternativo de Cultura (CAC) em Belém (PA), narrou as suas vivências como doula, explicando a importância da profissional da saúde e da educação que trabalha especialmente no ciclo gravídico puerperal da pessoa que gesta. “Ela trabalha no preparo do que chamamos de educação perinatal trazendo informação para aquela mulher que gesta, para que ela possa ter um parto mais seguro e também trazer autonomia para essa mulher. E, durante o processo do trabalho de parto, a gente trabalha no atendimento ao alívio da dor com métodos não farmacológicos e também trazemos apoio emocional. No pós-parto, trabalhamos nos cuidados do recém-nascido e amamentação”, comentou.
Aldenice do Espírito Santo, do projeto guardiões ribeirinhos, trouxe alguns relatos da sua experiência de apoio a outras mulheres ribeirinhas e artesãs e comentou: “A gente sabe que não pode mudar o mundo sozinha, mas a gente pode começar a partir da nossa realidade e estamos fazendo isso dentro da questão ambiental e de outros espaços.”
Atriz do meio social, ativista dos direitos humanos, do movimento de mulheres negras Dandara e parceira do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), Francy Júnior, com um canto de luta e resistência evocando Dandara, inicia sua fala lembrando da sua história em uma ocupação de terra, lugar onde percebeu que 80% daquela comunidade “eram de pessoas pretas” que não tinham onde morar nos anos 90, na cidade de Manaus (AM). Chegou a esse dado depois de mapear a sua comunidade. A partir daí, ao longo de sua trajetória, compreendendo-se mulher negra, homoafetiva e de religiosidade de matriz africana que sofre racismo e xenofobia, teve consciência do seu papel social como agente de transformação. Também comentou as ações que realiza em rede com outras mulheres no âmbito da educação popular e no cuidado e bem-estar do gênero feminino. Para finalizar sua fala, ressaltou a luta de todas as mulheres, mas afirmou que “não dá mais para falar de democracia sem ouvir as mulheres pretas, sem ouvir as mulheres indígenas.”
Gabriela Luz, da Associação Multiétnica Wika Kwara, comentou sobre as suas dificuldades em ser pessoa transexual, reforçando que a violência é muito presente nesses corpos no cotidiano. “A experiência de gênero até os anos 90 era vista como uma doença para a saúde internacional”, mencionou. E completou dizendo: “eu quero falar do meu trabalho, da minha vida. Eu não estou resumida ao meu gênero, nem a violência que as experiências de gênero vivem.”
A artista visual que luta contra o apagamento étnico indígena dos que vivem em contexto urbano e rural, Moara Tubinambá, abordou sobre as violências sofridas contra esses corpos ancestrais e fez um apelo: “que a gente aprenda a respeitar todas as mulheres em toda a sua diversidade.”
O território quilombola do Abacatal também se fez presente nessa roda dos saberes das mulheres. Francisdalva da Conceição (Turí) falou da harmonia que devemos estabelecer com a natureza. Contou sobre a experiência de conexão que as mulheres do quilombo estabelecem nesse sentido e tudo que a Terra proporciona. “Se eu não cuidar do meu território, das árvores, da água, e não ter essa harmonia com ele, não existe cidade. ” Exortou para uma administração consciente dos bens comuns desde o lugar onde cada uma mulher se encontra.
A educadora popular, artesã e atriz, Maria do Socorro Ferreira da Silva (Papoula), recordou várias ações de mobilização nas quais contribuiu ao longo da vida, inclusive na luta a favor dos povos indígenas. Relembrou episódios de atrocidades e violações de direitos contra as populações em situação de vulnerabilidades quando ocorrei a construção da hidrelétrica de Balbina. Comentou sobre o trabalho com as mulheres Indígenas do Alto Rio Negro e do trabalho que realiza atualmente dentro da Articulação de Mulheres do Amazonas que tem entre suas pautas a discussão sobre justiça socioambiental.
Outra mulher que também fez uma fala dentro da roda de conversa foi a Ingridy Cristina, educadora social do Centro Alternativo de Cultura (CAC). Ela apresentou o trabalho de acompanhamento que o CAC realiza com as suas educadoras para empoderá-las, valorizando o saber ancestral que possuem, pois acredita que assim o cuidado com as crianças da Amazônia será mais efetivo.
Musicalidade e corporeidade Amazônia
No primeiro momento da oficina Musicalidade e Corporeidade Amazônica como tecnologia socioambiental se falou sobre como a musicalidade e a corporeidade fazem parte da vida da pessoa humana. “O momento aconteceu a partir da escuta de cada realidade, de cada corpo falante, de cada corpo musical do ser amazônido e ser amazônida”, disse Pe. Silas Silva, SJ, um dos participantes da oficina. Eliberto Barroncas e Márcia Kambeba foram os mediadores do momento explicando conceitos teóricos e proporcionando momentos vivenciais com instrumentos amazônicos.
Sociobiodiversidade e Agricultura Familiar
No painel sobre Sociobiodiversidade e Agricultura Familiar: Fontes Alternativas de energia foi exposto o cenário atual energético da Amazônia legal, onde quase 1 milhão de habitantes não possuem acesso à energia elétrica.
O Painelista Jailson José Costa apresentou o tema da energia solar (placas fotovoltaicas) como possível meio de suprir essas deficiências energéticas.
Profa. Dra. Bruna Pratto que também fez parte desse painel sugeriu o uso de biomassa e rejeitos na geração de combustível renovável, assim como fazer adesão ao biogás e biodiesel.
Ivanessa Mariano relatou sua experiência com os sistemas agroflorestais (SIF’s) ou quintais produtivos. Além disso, contou sobre a articulação que realiza com outras mulheres em comunidades fora do quilombo São Bento do Juvenal, da cidade de Peritoró (MA), local que iniciou o projeto de cuidado com a floresta e com suas populações. Também recordou a importância da segurança alimentar e da economia circular.
No consenso geral dos painelistas existe uma grande necessidade de infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Outras atividades que ocorreram no 3º dia
Tecnologias a serviço da Amazônia foi outro painel que aconteceu na Semana de Estudos Amazônicos.
Participaram da mesa: Prof. Thiago Fonseca (Universidade Federal do ABC), Kelly Guajajara (Mídia Indígena), Paulo Martins (Rede Eclesial Pan-Amazônica), Marcivana Sateré Mawé (Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno), José Francisco do Santos (Tela Firme) e Marcos Adami (Instituto nacional de pesquisas espacias – INPE).
O processo de construção das cerâmicas produzidas na Amazônia com terra preta, a energia solar em comunidade indígenas, o programa de monitoramento da alteração da cobertura florestal da Amazônia (Prodes), o Deter – um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, a formação de comunicadores populares, a bioeconomia e comunicação indígena feita por indígenas foram alguns dos assuntos expostos.